Artigo do Professor Rodrigo Arantes Cavalcante publicado na revista eletrônica Justificando.
O Artigo trata de forma crítica a função da Justiça do Trabalho e responde à indagação: A Justiça do Trabalho é protecionista?
Antes mesmo da publicação da Lei 13.467/2017 conhecida como “Reforma Trabalhista” observávamos na grande mídia e na opinião de alguns políticos e até juristas, que a reforma trabalhista era necessária, argumentando que a Justiça do Trabalho protege em demasiado o empregado, entre outras alegações que não compete neste artigo abordarmos.
A reforma trabalhista foi publicada, e após pouco mais de um ano da vigência da Lei 13.467/2017 observamos as mesmas falas agora com críticas severas à Justiça do Trabalho, sendo que alguns até cogitam a sua extinção.
Certa ou errada a reforma trabalhista está aí e, muito se falou durante a tramitação da lei no congresso sobre os benefícios da referida reforma ao empresariado, sendo que poucos analisaram a questão da reforma trabalhista quanto aos possíveis prejuízos ao pequeno e médio empregador brasileiro.
Em 15/03/2017, época em que o texto da reforma ainda estava em tramitação no congresso, a professora Renata Do Val escreveu um brilhante artigo[2] no qual questionava como seria a vida do pequeno e médio empregador brasileiro e também dos trabalhadores caso a reforma trabalhista fosse aprovada.
Em síntese, ela abordou que no mundo globalizado as empresas geralmente procuram se estabelecer em lugares onde tenha menor custo e o Brasil se tornando um país de mão de obra barata, por óbvio as empresas internacionais ingressariam no mercado brasileiro em maior número, prejudicando assim o pequeno e médio empregador, já que estes últimos não conseguiriam competir com as grandes multinacionais.
Nota-se que o tempo passou, a reforma foi aprovada e infelizmente observamos empresas estrangeiras se estabelecendo em nosso país como forma de explorar mão de obra barata e por outro lado, e a título de exemplo percebe-se, comércio de varejo de bairros fechando as portas por não conseguirem competir em preço com hipermercados conhecidos do público, que agora estão explorando sua atividade em diversos bairros com estruturas menores para “facilitar” a vida do consumidor.
Não que o simples fato de ter empresas estrangeiras no país prejudique as relações de trabalho ou consumo, mas sim, a forma como vem sendo posta, que acaba por impossibilitar o crescimento das empresas brasileiras.
Nesse cenário de incertezas e maior exploração do capital estrangeiro em nosso território vemos com frequência em noticiários grandes livrarias, editoras, e outras empresas “fechando as portas” ou ingressando com recuperação judicial e ainda, ao andarmos pelas ruas da cidade verificamos um grande número de imóveis comerciais desocupados com placas de aluga-se. Por outro lado, ao contrário da realidade relatada observamos grandes empresas internacionais ampliando suas bases no país.
No início deste ano surgiram vozes defendendo o fim da Justiça do Trabalho, com os mesmos “argumentos” já utilizados quando da tramitação da Lei 13.467/2017, em especial a afirmação de ser uma justiça demasiadamente protecionista ao trabalhador.
Mas será que essas afirmações compreendem a realidade?
É certo que a primordial função da Justiça do Trabalho é a pacificação nas relações de trabalho. Assim, se há necessidade de se pacificar é porque algo naquela relação não correu como deveria, sendo que a maioria das reclamações trabalhistas verificamos que versam sobre pagamento de verbas rescisórias.
No âmbito do direito material podemos dizer que a Justiça do trabalho é protecionista, mas não ao trabalhador em si, e sim às relações de trabalho, com a garantia da observância do direito material do trabalho que prevê a proteção de direitos mínimos ao trabalhador, como salário mínimo, piso da categoria, normas de jornada, adicionais para labor em situações insalubres e perigosas, etc.
Logo, a Justiça do Trabalho é necessária por ausência do respeito ao mínimo garantido aos trabalhadores nas relações de trabalho.
Contudo, se fizermos essa análise do ponto de vista processual, constataremos que por vezes a Justiça do Trabalho, ao aplicar a lei como posta traz desigualdades entre as partes, e com esse olhar não podemos afirmar ser uma justiça protecionista ao trabalhador.
O art. 7º do Código de Processo Civil[3] é claro no sentido de que é assegurado às partes paridade de tratamento, seja em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, como também em relação aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais.
Nota-se que o dispositivo em comento ainda esclarece que compete ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.
Estamos chamando atenção a este dispositivo, pois quem milita na área trabalhista sabe que as audiências têm como característica serem unas, ou seja, mesmo os processos tramitando de forma eletrônica o Reclamante muitas vezes tem ciência do teor da defesa em audiência, pois não é raro observarmos defesa com “sigilo”, sendo esta liberada no dia da audiência pelo magistrado.
Um dos princípios da audiência trabalhista é o da concentração dos atos processuais em audiência e, isto com a devida vênia a todos que possam pensar em sentido contrário prejudica o Reclamante.
Observamos na prática que muitos advogados atribuem à defesa o “sigilo”, sem qualquer fundamento, apenas com o objetivo da parte contrária não ter acesso ao seu teor antes da audiência.
Nestas situações entendemos que o magistrado poderia nos termos do §3º do art. 22 da Resolução 185 do CSJT excluir a defesa, porém em que pese terem notícias de algumas exclusões observamos na prática que na maioria das vezes o magistrado acaba aceitando a defesa e seus respectivos documentos mesmo desprovida de qualquer fundamentação que justifique o sigilo.
Ao analisarmos o art. 22 da Resolução 185 do CSJT[4] observamos que o juiz poderá aceitar a defesa e seus respectivos documentos com “sigilo” desde que esteja justificadamente fundamentado nas causas de segredo de justiça e interesse social nos casos do art. 770 da CLT e art. 189 da CPC[5].
Ademais, as decisões do CSJT possuem efeito vinculante nos termos do art. 111-A, §2º, II da Constituição Federal, sendo que nos termos do Regimento Interno do TST (art. 65, Parágrafo Único, inciso II e 84), o CSJT é um órgão que funciona junto ao Tribunal Superior do Trabalho.
Outrossim, o Regimento Interno do CSJT[6] no art. 82[7] é claro no sentido de que as resoluções terão eficácia vinculante em relação aos órgãos da Justiça do Trabalho de primeiro e segundo grau sendo referido regimento aprovado na Resolução Administrativa de 20/06/2017 pelo Órgão Especial do Tribunal Superior do Trabalho, utilizando do disposto do art. 69, inciso II, alínea “c” do Regimento Interno do TST.
Assim, resta mencionarmos que respeitamos as decisões e interpretações de todos os magistrados que não aplicam a referida resolução, mas, estamos abordando esta situação como forma de reflexão de que muitas empresas poderiam ter suas petições excluídas pelo teor da resolução, mas, muitas vezes não são prejudicadas, sendo este o primeiro ponto para demonstrarmos que a justiça não tem sido protecionista a favor do empregado como muitos imaginam.
O segundo ponto que pretendo abordar e que fica visível a ausência de protecionismo ao trabalhador no âmbito processual, e que pode se entender inclusive como violação ao art. 7º do Código de Processo Civil (paridade de armas) é sobre a ausência de réplica no processo do trabalho, sendo que a sua concessão fica a cargo de cada magistrado.
Nota-se que na prática trabalhista a maioria das varas aqui em São Paulo designam audiências unas o que, significa dizer que o advogado deve estar preparado para que se tenha uma audiência única, inclusive com instrução, assim, muitas vezes o magistrado tenta a conciliação e está sendo infrutífera recebe a defesa e logo dá vista para o Reclamante se manifestar oralmente em audiência em curto espaço de tempo.
Outros magistrados entendem que não cabe réplica no processo do trabalho e determinando que seja realizada junto com as razões finais. Já outros magistrados, de ofício ou a requerimento da parte autorizam o adiamento da audiência para que a parte se manifeste sobre a(s) defesa(s) e documento(s) da(s) reclamadas, nos moldes do art. 7º do Código de Processo Civil.
A esse respeito já tive a oportunidade de escrever na obra “Manual de Iniciação do Advogado Trabalhista Ed. LTr 5ª edição página 155 e 156”, que para a preservação da paridade de armas o reclamante deve ter acesso e prazo para a manifestação sobre a defesa e documentos, antes de sua oitiva, porém, esse posicionamento ainda nos dias atuais não é uníssono.
“(…) Em que pese as divergências doutrinária e jurisprudencial, entendemos que o magistrado deve conceder prazo para que o autor se manifeste sobre a defesa e documentos, sendo no nosso sentir aplicáveis os arts. 350 e 351 do CPC, já que a CLT é omissa sobre a réplica.
“Art. 350. Se o réu alegar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, este será ouvido no prazo de 15 (quinze) dias, permitindo-lhe o juiz a produção de prova.”
“Art. 351. Se o réu alegar qualquer das matérias enumeradas no art. 337, o juiz determinará a oitiva do autor no prazo de 15 (quinze) dias, permitindo-lhe a produção de prova.”
Ademais, se analisarmos o art. 852-H, § 1º, da CLT, observamos que no procedimento sumaríssimo existe a réplica, sendo certo que no nosso sentir se há essa possibilidade de manifestação sobre a defesa e documentos também deve ser concedido no procedimento ordinário.
Com a devida vênia a todos que possam pensar em sentido contrário, a réplica oral prejudica o Reclamante já que em exíguo espaço de tempo tem de se manifestar sobre a(s) defesa(s) e documento(s), entendemos que não deveria haver a réplica oral e, a audiência de instrução deveria se realizar após a manifestação por escrito pelo Reclamante (réplica por escrito), pois, só assim seria respeitado o art. 7º do Código de Processo Civil (aplicação subsidiária) havendo paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades, processuais e aos meios de defesa (leia-se defesa de interesse), havendo também o contraditório de forma efetiva.
“Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.”
Com todo respeito, aos que possam pensar de forma contrária, repisamos que a réplica em audiência é uma grande injustiça com o Reclamante, a Lei n. 13.467/2017 conhecida como reforma trabalhista perdeu uma grande oportunidade de modificar esta situação.
A(s) defesa(s) não são mais “apresentadas” em audiência sendo as mesmas protocoladas por meio eletrônico não havendo que se falar em réplica em audiência.
Além disso, a réplica em audiência poderá causar prejuízos de grande monta ao Reclamante e violar a Constituição Federal no que tange ao princípio do contraditório e da ampla defesa, passamos a explicar:
Nota-se que, a reconvenção pode ser realizada na própria defesa (contestação), sendo certo que o magistrado tem contato com a contestação em audiência, e, se por um lapso, em uma leitura não tão atenta, o magistrado determinar que o Reclamante se manifeste sobre a defesa e documentos em audiência estará nesta hipótese violando a ampla defesa e o contraditório.
Assim, concordamos com os magistrados que utilizando do seu amplo poder de direção do processo (art. 765 da CLT), fracionam as audiências em inicias, instrução e julgamento, já que neste caso se respeita a Constituição Federal, CPC, bem como referidas audiências tem demonstrado no nosso sentir um índice maior de acordos almejando a paz social e estando na direção do princípio do contraditório e da ampla defesa quando a proposta de acordo resta infrutífera.”
Portanto, esse é mais um ponto para demonstrarmos que o processo do trabalho, ao contrário do que dispõe o processo civil prejudica o autor da ação – na maioria das vezes trabalhador – pois enquanto no processo civil temos regra específica e a existência da réplica, no processo do trabalho não temos esta menção na CLT para o procedimento ordinário.
Assim, a reclamada vai depor sabendo o que foi alegado pelo autor e o Reclamante muitas vezes depõe sem saber as alegações da defesa.
Com a reforma trabalhista outros pontos processuais foram inclusos na lei, para aplicação em prejuízo aos trabalhadores, temos, por exemplo, a necessidade de indicação do valor da causa e dos valores dos seus pedidos desde a inicial, sendo que muitas das vezes,para se chegar ao valor real é necessária a instrução probatória, como ocorre nos casos de insalubridade e indenizações por doenças ocupacionais ou acidentes de trabalho.
Também verificamos que a reforma trabalhista trouxe para a CLT, o já aplicado por muitos juízes instituto previsto no Código de Processo Civil, incidente de desconsideração da personalidade jurídica, que prevê a necessidade de antes que o patrimônio dos sócios das empresas seja instaurado um incidente processual com sua citação e prazos para todos os meios de impugnações lá previstos, o que dilata a satisfação do crédito do reclamante, e até mesmo pode prejudicar seu recebimento.
Por fim, a legislação processual é dificultosa quando da busca de bens na fase de execução, já que a nova lei também afastou do magistrado o impulso oficial, competindo às partes o andamento nesta fase.
Dessa forma, apenas com esses apontamentos podemos afirmar que no âmbito processual trabalhista a Justiça do Trabalho não é protecionista ao trabalhador e muitas das vezes por força da aplicação da lei como posta acaba inclusive a tratá-lo, com a devida vênia, sem o respeito à paridade de armas.
Daí concluímos que a fala de que a Justiça do Trabalho é protecionista ao trabalhador e por essa razão deve ser extinta é um argumento falso e mesmo com todos os problemas aqui relatados esse órgão é essencial à justiça e merece continuar a existir em nosso país.
Artigo publicado no Justificando!